Existia um triunvirato de poderes na maioria das pequenas cidades interioranas brasileiras na década de 60, exercido pelo Juiz de Direito, o Pároco e o Gerente do BB. Em Bela Vista, por um largo período a Comarca ficou privada de Juiz de Direito, até a chegada do Dr. Cyro Falcão. O pároco era o Rev. Jorge Poux, Redentorista e o Gerente da Ag. do BB, o Sr. Olavo Arantes de Mattos. Mais tarde veio a contar com Promotor Público, cargo exercido pelo Dr. Pedro Palmieri e Delegado de Polícia, pelo Sr. Gentil Vargas da Rosa.
Ser funcionário do maior banco do país era o sonho acalentado por jovens no disputado mercado de trabalho. Esmeravam-se ao máximo em escolas de datilografia para obterem o mínimo de 900 toques/minuto em ultrapassadas máquinas e aprimorando-se em técnicas de redação, matemática e alguma língua estrangeira em cursinhos especializados. Ficaram famosas as apostilas do Prof. Cunha com matérias para o concurso público do banco.
Após longas viagens de trem em locomotivas Maria Fumaça até Campo Grande, Aquidauana ou Corumbá e de jardineiras, ônibus da época, neófitos funcionários alcançavam os seus destinos, em várias cidades de Mato Grosso. Tomariam posse, finalmente.
Ser aprovado era primordial e de somenos importância a agência para tomar posse. Poderia ser em qualquer lugar do país, inclusive naquela longínqua cidade localizada na fronteira do Brasil, palco de sangrento confronto de soldados na Guerra do Paraguai, Bela Vista-MT para a qual o jovem paulista foi designado.
Em uma segunda feira do mês de agosto de 1962 foi despertado por madrugadores sabiás no Hotel Panorama, após cansativa viagem. Preparou-se demoradamente. Vestiu o melhor terno. Apurou a gravatinha, o brilho nos sapatos bico fino, a última ajeitadinha nos cabelos e o sorriso para espantar o nervosismo e a ansiedade. Tratava-se da maior vitória conquistada pós-adolescência.
Foi recepcionado por todos os funcionários naquela manhã quente, na pequena agência localizada próxima do centro da cidade, em uma rua cascalhada, a Gal. Osório. Antes da abertura do expediente, os colegas fizeram-no jurar, com a mão direita sobre uma Bíblia, total e irrestrita observância às normas do Banco. Solenemente ele pronunciou: prometo.
O expediente transcorreu normalmente. Pouca coisa pode ele realizar. Deram-lhe para ler as instruções do Banco. A um determinado momento, o Amaro Gonçalves, caixa, solicitou que ele fosse buscar um alicate emprestado na agência do Banco da Lavoura, na esquina em frente ao Posto do Waldely Nunes para puxar saldo de caixa. Retornou irado, pois foi alvo de gozação pré-programada.
Compreendera quão seria necessário se adaptar às brincadeiras. Foi designado para conduzir as solenidades de posse dos próximos funcionários. Ele o faria com apurados requintes, prometeu. Lá iniciou uma carreira de sucesso. Chegou a ocupar cargos de relevância na agência e na comunidade. Aprendeu a vestir a camisa do Banco do Brasil, como patrimônio próprio, intocável. Tornou-se um bela-vistense por adoção, da qual não abre mão.
Por Hiroshi Uyeda