Encontrando-se na varanda de uma cabine de um transatlântico a caminho da Europa, aquele turista acostumado a cruzar os mares contemplava a imensidão do mar, anil azulado contrastado com a claridade do céu sem nuvens. Cintilantes reflexos dos raios solares sobre as ondas compunham o reluzente cenário. Uma tela despida de quaisquer outros elementos.
Monótono, diriam alguns. Nada disso, havia vida a bordo. Gente por toda parte, no convés, proa, popa, estibordo, bombordo, restaurantes, lanchonetes, spa, academia, cassino, shopping, dançando, cantando, lendo, escalando, trucando ou, simplesmente, tirando um cochilo, estirada à beira da piscina.
Reportou-se ao primeiro dia em Bela Vista, ainda MT, após cansativa viagem de trem Maria Fumaça e sacolejante jardineira. A cidade, afora os poucos passageiros, parecia deserta. Nenhum movimento nas ruas, sob um sol escaldante. Sua primeira impressão foi de apreensão, pois não supunha tamanha solidão e monotonia. Poderia ser monótono viver nessa cidade. Mas não foi.
Iniciava-se a década de 60. Com ela, importantes acontecimentos: golpes militares, movimentos estudantis, revolução de hábitos e costumes, viagens espaciais, derrubada do muro de Berlim, 1º transplante do coração, transformações culturais, musicais, artísticas e tecnológicas.
Aos poucos foi descobrindo caminhos para conciliar seus passos com o lento andar do relógio. Época de construção e reconstrução. Faltavam muitas coisas naquele ermo e a população mobilizava-se para obtê-las. Cuiabá, capital do estado, era apenas uma longínqua referência não apenas geográfica. Boa vontade, hospitalidade, amizade e companheirismo nunca faltaram aos bela-vistenses. Imediatamente integrou-se a tudo. Começou a sentir escassez de tempo.
Conheceu jovens com vontade de vencer e idosos esbanjando conhecimento e experiência. Surpreendeu-se com a riqueza dos relatos de lendas, estórias e historia, tradições e costumes, fé e misticismo. Uma extraordinária enciclopédia abriu-se aos meus olhos e dela retirou vivência. Muita.
A viagem atual ainda encerra incógnitas, horizontes a serem conhecidos. Como diria Fernando Pessoa, navegar é preciso, morrer não é preciso. Antes do fatídico, em todos os portos e em cada cidade, como em Bela Vista, sempre haverá oportunidade para colher novas experiências.
Por Hiroshi Uyeda