A história do jornalismo tem estampada em suas páginas, inúmeros jornalistas sem medo de nada e que se disfarçam de quase tudo em busca de notícias, revelações e boas histórias. E assim, eu, jornalista apaixonado pelo que faço, resolvi então me “disfarçar” para contar – com o coração exposto à página – minha experiência. Um cara de 34 anos, que há quase 10 deles trata de problemas em duas de suas válvulas cardíacas e que, finalmente, vai estar numa mesa de cirurgia – literalmente – de peito aberto e coração partido.
E assim, às 6h30 da manhã, de uma quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010 eu sigo na maca por um silencioso e interminável corredor que me levou ao centro cirúrgico do Hospital Austa. E claro, trajado lindamente naquela “fashion” camisola de hospital. Enfim, tinha chegado a hora deu abrir meu coração para alguém! Na verdade, para uma equipe inteira. E assim, às 7 horas, como marcado, eles tocaram em meu coração.
O atraso do dia anterior, quando a internação deveria ocorrer no inicio da manhã e acabei subindo para o quarto quase uma hora da tarde, não se manteve no dia seguinte. Vale lembrar que duas horas antes eu ainda havia descoberto – meio sem querer – que tricotomia… Isso mesmo! Tricotomia quer dizer depilação, digamos – quase que completa. Porém, mesmo assim, valeu a intenção da minha irmã que dias antes tirou com cera quente alguns pêlos de meu peito.
As semanas anteriores não foram tão tranquilas quanto o dia da cirurgia. Na última de janeiro peguei o encaminhamento do cardiologista Márcio Fioroni, com quem me trato há quase uma década; nos dias seguintes eu já estava no consultório do cirurgião Hélio Gama, chefe da equipe que me operaria. Foi a primeira e única vez que me lembro de tê-lo visto. A maior dificuldade nem foi minha cardiopatia, mas sim a burocracia pré-operatória, que me roubou alguns dias de uma liberação para sofrer. Quer dizer, para sobreviver em condições aceitáveis e desejáveis – é claro.
Incrivelmente não tive medo da cirurgia. Talvez fruto dos bons pensamentos e das orações de inúmeras pessoas, principalmente de minha mãe, minha esposa e duas das minhas irmãs que amanheceram o dia na recepção do hospital à espera de notícias – boas notícias, claro! Na verdade meu temor era o de que numa ausência perpétua, caso eu “juntasse os pés”, eu teria deixado uma mulher viúva, uma Rainha sem seu maior súdito (Thaisa, minha filha maravilhosa), três irmãs sem um irmão, dois irmãos sem o mais novo, pai e mãe com menos um filho (essa parte foi escrita antes da dor de perder minha mãe), uma rádio sem um jornalista, uma moto sem seu condutor, Mato Grosso do Sul sem um de seus filhos e o Flamengo, com menos um torcedor. Ufa!
A operação durou praticamente a manhã toda. E graças a ela e aos profissionais que a realizaram, hoje respiro melhor e carrego no coração duas válvulas metálicas. Ou seja, não sou mais tão humano; desde então me tornei alguém um pouco artificial. E graças a Deus que ainda vivo nessa artificialidade.
Acordei da anestesia no final da tarde. Ainda muito confuso e sonolento, lembro-me da minha esposa e minha irmã conversando comigo, me tranquilizando, dizendo que eu estava ótimo e tudo tinha ocorrido bem. E ali, em uma cama de UTI, imóvel, fraco e com um corte novinho de cerca de 20 centímetros no peito, mais sonda, cateter, drenos e uma parafernália toda em minha volta, senti-me ainda menor e mais frágil.
A proibição de beber água e a sede quase que incontrolável depois da cirurgia foram torturantes. Minhas insistências com o enfermeiro resultavam, vez ou outra, em um pedaço de gaze molhado que me umedecia a boca. Uma outra grande tortura.
Os dias seguintes – felizmente já podendo tomar água – transitando entre UTI e Semi-UTI também foram dias difíceis. Não que eu estivesse sofrendo com a dor física, mas a fragilidade emocional é que maltrata; perdi as contas de quantas vezes chorei.
Acredito que toda pessoa deveria passar pelo menos um dia numa UTI, de preferência como visitante, né! Com certeza a arrogância e a prepotência não sobrevivem ali. Pensei nisso em inúmeras oportunidades, como, por exemplo, quando precisei que alguém segurasse o copo para que eu tomasse água, ou ao sentar. Ficar em pé ou escovar os dentes se tornaram grandes atos de bravura. Além, é claro, de depender de algum enfermeiro para te dar banho, fazer sua barba, te secar e quase como uma criança, te colocar novamente na cama com todo o cuidado. Tudo com um impressionante profissionalismo e elogiável competência.
E por falar em enfermagem, sabe aquela imagem estereotipada de enfermeiras bonitas, gostosonas, com roupas curtas e que sempre habitaram as mentes masculinas e estão presentes constantemente em programas televisivos? Sim…bonitas, atenciosas, competentes e profissionais, elas existem e estão por todos os cantos do hospital. O resto fica por conta do imaginário popular.
Aliás, não sei se é uma especialidade apenas aplicada em pacientes que passam por cirurgia cardíaca, mas elas têm o dom de matar no ato qualquer outra intenção do paciente que não seja a profissional. E como fazem isso? Com um sorriso e com uma simpatia contagiante no rosto: – “Bom dia!! Como está hoje? E aí, fez xixi e cocô normalzinho?” – Pronto!
E assim, depois de dez dias vivendo dentro do hospital, acompanhado diariamente pelo cirurgião Reginaldo Castro – integrante da equipe do Hélio Gama -, finalmente recebi a melhor notícia que eu podia ter: tive alta. Em casa recebi visitas, carinhos, conselhos. Tudo acompanhado por sete inseparáveis tipos de remédios diários. Entretanto, uma semana depois, uma pneumonia me levou à emergência do hospital e, consequentemente, a mais cinco dias de internação. Porém, passou! E novamente em casa, o que ainda incomodaram por mais alguns dias, foram à falta de apetite e o mal estar estomacal. Além da terrível e única posição – de barriga pra cima – possível para dormir por pelo menos uns 45 dias.
O pior já tinha passado. É…eu até cheguei a acreditar. Mas infelizmente alguns dias depois eu teria a pior surpresa e o dia mais infeliz da minha vida. Minha cirurgia cardíaca e minhas duas válvulas metálicas foram testadas da pior maneira possível, quando…58 dias após a operação fui acordado por um telefonema com a notícia de que minha mãe havia falecido vítima de um AVC fulminante. Fisicamente estou bem, válvulas metálicas em perfeito estado. Mas, desde então, vivo com um rombo irreparável no coração que medicina nenhuma nesse mundo vai dar conta de resolver! Saudades…vivo com a dor da perda de quem eu faria qualquer coisa para que fosse eterna!
Por Josyel Carvalho