Cidades nascem, crescem e possuem alma plena de vontades. Das vontades de todos os seus habitantes, dos registros de passantes efêmeros e dos mais perenes, todos eternamente saudosos. Muitos as deixaram, outros cultivam amor a esse torrão, natal ou por escolha, dele não se despregando por tesouro algum ou por promessas mil.
São milhares as vontades renovadas diariamente. Algumas se encorparam e modificaram paisagens. Aquela ruela, margeando um córrego, guarda memórias das noites de boemia. Deu lugar a uma ampla avenida, arborizada e lindamente iluminada, desembocando em uma ponte internacional a ligar cidades gêmeas. Outras permanecem como sempre foram. Teimosa e imponentemente a agência dos Correios permanece como marco dos tempos, rememorando o envio e recebimento de perfumadas cartas amorosas. Assim também a praça central da cidade e o seu coreto mantem vivas as cores e as lembranças dos tempos de criança e da juventude apaixonada.
Não há mais aquele burburinho de vozes dos jovens no Bar Bossa Nova no centro da cidade, agora alcunhado de parte velha. Nem os anúncios pelos alto falantes do Cine São José. Nem as Lojas Pernambucanas ou do Papito na rua central. Nem as canoas a transportar de tudo entre as duas margens do rio.
Onde estarão os filhos do açougueiro, do padeiro, do leiteiro, daquele dono do armarinho na esquina? Como estará aquela família cujo patriarca administrava um hotel na entrada da cidade? Continua fazendo aquela deliciosa feijoada? Onde? Será em Brasília? Onde estiverem, em Goiânia, Campo Grande, Rio de Janeiro ou São Paulo, ao se reunirem infalivelmente falarão da imorredoura e saudosa Bela Vista.
Hoje, ao percorrer as ruas da Princesa do Apa, outrora de fina areia, a arder os pés nas peladas das ensolaradas tardes de domingo nos improvisados campos de futebol, uma apertada saudade baterá no peito. O asfalto a substituiu. Não há sequer, uma ponta de capim nas ruas. Longínquos anos 60 de ruas marcadas pelos rastros das carroças, dos estalos dos chicotes, das vacas compartilhando espaços com galinhas, cachorros e gatos.
Bela Vista é outra cidade, moderna, ajardinada. Tem estações de rádio, Internet, WI-FI, TV, supermercados, casas de shows e eventos, restaurantes e lanchonetes fast food, bancas de jornais. Nada disso existia naqueles anos dourados. Enfrenta dores, porque modernizar-se dói como viver também dói. A Bela Vista de hoje repousa sobre a de ontem. Felizes as duas irmãs, a do Brasil e a do Paraguai, as de ontem e as de hoje, com tantas estórias para contar.
Nos devaneios das recordações, é em vão tentar tocar ou ver uma cidade não mais existente como a guardada nas retinas. Ela, seus personagens e seus descendentes migraram, estes para os extensos espaços físicos ou celestiais e aquela para a história. Novos personagens surgiram e sem perder suas raízes buscam alcançar conquistas definitivas. Dão à Bela Vista colorido diferente. Buscam preservar e cultivar os melhores momentos de sua linda estória.
Bela Vista de outrora é imortal. Ela continua vivendo nos sonhos dos sobreviventes.
Por Hiroshi Uyeda