Velho amigo, velho companheiro – Por Hiroshi Uyeda

Ninguém se esquece da primeira professora na escola primária, do primeiro grande amor, das grandes amizades, das vitórias na vida profissional. Há, também, aquelas pessoas detentoras de inigualáveis qualidades, exemplos de cidadania e de amor ao próximo. Adjetivos dos mais elevados teor qualitativo cabem na pessoa do Sr. Athanacildo Escobar, patriarca de um ramo da numerosa família Escobar, de Bela Vista, MS. 

Era um ser humano ímpar, dotado de excelente bom humor, experiente, honestíssimo, conselheiro, fácil de habitar o lado esquerdo do peito.  Dizia a todos a sua idade, sem qualquer constrangimento, facilmente lembrada, pois, como dizia, acompanhava a era. Nascera bem no início do século, em 1901.

Conseguiu, em companhia de sua esposa, Ana Rosa Capilé Escobar formar uma extraordinária família, fazendo questão de sempre proclamá-la como seu maior patrimônio. Numerosos são seus descendentes. Não cabem em uma só foto nem no espaço desta página. Certamente ambos estão contemplando, do alto, com satisfação e felicidade, sua enorme prole. 

Nas inúmeras andanças pelas zonas rurais esbanjava conhecimentos sobre tradições, hábitos e costumes existentes na vasta região do sudeste de Mato Grosso do Sul. Falava com absoluta competência sobre os costumes, abrangendo hábitos alimentares desde a composição do autêntico quebra torto da manhã, a matula e o jantar. Sabia curtir o couro de carneiro e transformá-lo em ótimo pelego para ser usado sobre selas e redes. Era exímio na confecção de laços de couro de boi, barrigueiras e rédeas. Conhecia como poucos a utilidade de cada cabaça, de cada pedaço de bambu para transformá-los em peças de serventia para as comitivas. Descrevia com exatidão os trabalhos do dia a dia de cada componente de uma comitiva, os sofrimentos e alegrias das longas travessias, as tralhas necessárias, os alimentos e como acondicioná-los para evitar perdas, as refeições ligeiras sem direito à sesta, as acolhidas e dormidas em retiros, o acolhimento nas fazendas durante o percurso, a travessia do gado nos rios e nas estreitas pontes de madeira, as carreiras pelas macegas atrás de uma rês fugitiva, os turnos de vigilância do gado à noite, os acertos de contas com o dono da boiada ao término da missão exibindo, como provas, as orelhas dos animais mortos. Discorria suas narrativas com absoluta competência, herdada da experiência obtida nas inúmeras comitivas sob sua responsabilidade. Tratava animais com extremo carinho, cuidando-os como filhos. 

Contava causos envolvendo figuras do folclore mato-grossense com exímia maestria, a todos encantando com o seu conhecimento. Falava das estórias e lendas da Retirada da Laguna, com ênfase no episódio do Nhandepá e do Cambaracê.

Apreciava receber visitas em sua casa e não arredava o pé de uma boa conversa, estendendo-a por horas a fio, acompanhada de tereré. Ria com gosto de piadas simples, inocentes, sem malícias, porém, era péssimo em contá-las. Gostava de músicas, principalmente das de viola, mas não as cantava, senão a de ¨parabéns a você¨, nas festas mensais de aniversariantes,  seus filhos e netos. Muitos deles se destacaram na arte musical, como excelentes cantores, violeiros e saxofonistas. 

Não bebia e nem fumava. Acautelava seus familiares dos malefícios desses vícios. Era católico convicto e educou todos os filhos tementes a Deus, mas não era de manifestar-se com fanatismo, acima de sua enorme fé.  
Em sua simplicidade nunca fez questão de destacar-se na sociedade bela-vistense, sendo alheio a movimentos políticos, a liderar reivindicações, a manifestar-se sobre a administração pública. Respeitava os governantes e os tinha como irmãos. Muitos foram seus amigos de infância. Alguns, seus parentes diretos. 

Fica o registro, o preito de gratidão e a imensa saudade, velho amigo, velho companheiro.

Por Hiroshi Uyeda

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